O barroco subverte a ordem supostamente normal das coisas, assim como a elipse — esse suplemento de valor — subverte e deforma o traço que a tradição idealista considera o mais perfeito de todos: o círculo.
Severo Sarduy (escritor e ensaísta cubano), em Barroco, de 1974.
Há, no mundo ocidental, um anseio persistente por fixar certezas, traçar comparações e estabelecer dualidades — uma operação ficcional que encobre a fluidez da experiência, protege o sujeito das instabilidades do mundo e, simultaneamente, sustenta as estruturas de poder. É nesse terreno movediço que o barroco — não apenas como estética ou estilo, mas como atitude — encontra sua potência subversiva. Sua intensa ornamentação não serve apenas ao deslumbramento: ela rompe a linearidade cartesiana, tensiona o pensamento e inaugura um entre-lugar de ambiguidade, ora resistindo à lógica estabelecida, ora contaminando-a com curvas, arabescos e contradições.
Alto barroco, exposição individual de André Griffo, retoma essa atitude e a reposiciona na contemporaneidade. A mostra abre com um vazio — não mera ausência ou hiato, mas receptáculo do excesso: um espaço em ebulição, marcado por sobreposições de matéria e pela proliferação constante de elementos. Esse vazio/excesso desdobra-se em composições, nas quais estruturas que mesclam o orgânico e o mecânico flutuam em espaços indefinidos — como em suas pinturas iniciais —, para, em seguida, reaparecer nas atmosferas decadentes de construções abandonadas. Até que, finalmente, o excesso irrompe em profusão e a ornamentação exuberante invade cada superfície, expulsando até mesmo as imagens sagradas de seus altares de devoção. Ao fazê-lo, cria um cenário no qual o sagrado é interrompido pelo profano, numa experiência de vertigem sensorial — quase sensual — que questiona as hierarquias simbólicas.
O barroco de Griffo, nessa ambiguidade entre resistência e contaminação, reivindica o excesso como estratégia conceitual. Longe de mero adorno, o ornamento converte-se em dispositivo instável e exuberante, marca da irrupção de excessos culturais, sociais e estéticos em nosso tempo. Ao ecoar as ambiguidades e fissuras do presente, convida-nos a habitar a tensão permanente entre ordem e caos.
Juliana Gontijo
maio de 2025