Uma certa sensibilidade.
Guilherme Gutman
Há um anseio central neste conjunto heterogêneo de expressões em arte já nomeado de arte incomum, art brut, outsider art e outras tentativas de localizar o invisível “encostado” na linguagem.
Qual terá sido a epifania do artista Flávio de Carvalho ao reunir desenhos de loucos e de crianças de São Paulo, em 1933, senão aquela que tenha se dado pela expectativa de que algo inaugural e extraordinário se oferecia como uma arte nova, naquela reunião específica de trabalhos?
Por que aos loucos e crianças de Carvalho, o psiquiatra e crítico de arte Osorio Cesar – que forneceu os desenhos dos “loucos do Hospício de Juqueri para o Mês das crianças e dos loucos, de 1933 – acrescentaria o que chamava de “primitivos” (para o horror de uma certa sensibilidade histórica contemporânea)?
E também, de um outro modo, porque poderia fazer parte deste conjunto cósmico alguns trabalhos daqueles que o crítico de arte Mário Pedrosa chamou pintores virgens?.
E por fim, porque não se incluiria nessa expectativa de extraordinário o produto do que a escritora Clarice Lispector chamou de “a imaginação mais solta das crianças”. Lá no fundo etimológico da palavra “primitivo”, há a expectativa de um “jorro criativo primeiro”; algo sem antecedentes, mas – paradoxalmente – representado ordinariamente em certas expressões que são habitualmente reconhecidas como incomuns.
A sensibilidade das crianças, dos loucos ou dos “primitivos” por vezes é “primeira”, como água de rocha, mas pode também obter a sua originalidade pela via da apresentação de uma outra complexidade, na organização do eu e do mundo. Em desenhos jogos e palavras, as crianças cansam e descansam representações de seus temores, dos seus amores e desamores, do fio de seus sintomas e, afinal, elas delineam dessa forma uma narrativa da vida que vivem, em composição de imagens.
Caso se queira entender o que é “primeiro”, original ou novo, será preciso rever o que temos chamado Cultura, para encontrarmos então o originário expressado extraordinariamente – sob forma de arte – dentro da coerência interna de cada cultura e da história dos modos de relação entre elas.
A loucura e os “fora da cultura” também quebram as linhas dos balizamentos da neurose, diria Freud. Revelam por força de suas criações as limitações de expressão do ordinário e, no mesmo giro, novas direções em arte. Por vezes – e pela via do delírio – constroem narrativas novas na forma e no conteúdo; por outras, abrem os espaços para influxos improváveis.
Pode chamar-se uma certa sensibilidade a expressão em arte que articula em algum ponto espacial, a intersecção entre a imaginação mais solta das crianças, o extraordinário cultural e a loucura.
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Sextas, a partir das 15h: 27/Junho, 04, 11 e 18 de Julho.
Sala dos Archeiros.
Aula 1 – O que é arte incomum?
Guilherme Gutman e Luiz Camillo Osorio.
Aula 2 – A arte dos loucos.
Guilherme Gutman.
Aula 3 – Artistas Incomuns.
Gabriela Davies e Guilherme Gutman.
Aula 4 – O que é música indeterminada?
Guilherme Gutman e alguns músicos.
Esta última aula terá como complemento uma apresentação musical “didática”.