No ano em que Maria Bonomi completa 90 anos de idade, somos surpreendidos por esta exposição antológica, que faz um retrospecto sintético de sua trajetória de 75 anos de produção artística e de relações com o universo cultural brasileiro e internacional.
Maria Bonomi nasceu em 8 de julho de 1935 na aldeia italiana de Meina, às margens do Lago Maggiore, Piemonte, nas cercanias de Milão, na Lombardia. Sua mãe era a brasileira Georgina Martinelli Bonomi; seu pai, o italiano Ambrógio Bonomi. A família Bonomi saiu da Itália em 1944 e fugiu para o Brasil, porque os invasores alemães nazistas haviam ocupado sua casa.
A produção plástica de Maria Bonomi é extensa e marcada por experimentos materiais e sociais sobre o lugar da arte no mundo. Sua epifania ocorreu no momento em que experimentou pela primeira vez gravar uma imagem numa matriz de madeira com a goiva. Foi o surgimento da Maria, a xilógrafa, que atua até hoje. No entanto, suas primeiras gravuras foram feitas no papel coberto de preto, que era raspado em busca do branco, como no caso da paisagem Casarios de São Sebastião (1951, cartão raspado, também dito “lavis”, 24×38 cm). “Quando conheci meu mestre Lívio Abramo, ele me propôs a trabalhar uma matriz de linóleo,” lembra a artista.
Maria Bonomi pensa o mundo por meio da gravura. A gravura para ela é um fenômeno gráfico, imagético, material, que supera a bidimensionalidade e incorpora a matriz que, por sua vez, será convertida em relevos, fato em si exponível como arte. Nas mãos de Maria Bonomi, a gravura é um fenômeno que ela chama de “perene mutante”, lançado numa conferência feita na Eslovênia, em Ljubljana.
Aplicamos a Maria Bonomi o principio metodológico desenvolvido por Giorgio Agamben, em seu livro Signatura rerum (2008), no qual afirma que o “elemento genuinamente filosófico em cada obra, seja esta uma obra de arte, de ciência ou de pensamento, é sua capacidade de ser desenvolvida”.
A juventude de Maria Bonomi coincidiu com o uso da xilogravura pela Revolução Chinesa para cartazes que convocavam a população para participar das transformações do país. Essa função política da xilo marcaria as escolhas da artista na resistência à ditadura militar brasileira de 1964.
O edificio estético de Maria Bonomi tem na engenharia a mestria para a produção técnica de estampas até murais de arte pública, com mais de 70 metros de comprimento na estação Luz do metrô de São Paulo. A arquitetura de Bonomi se faz na rigorosa conceituação dos projetos; na conversão da forma abstrata em simbolo potente; na conexão com críticos de arte, como Mario Pedrosa e Dore Ashton; no contato com professores, como seu mentor Livio Abramo; na relação política com a recepção de sua produção; na dimensão poética arrebatadora. No corpus de Maria Bonomi existe uma justeza entre o projeto conceitual de cada obra e a sua execução material. Para ela, a arte é um fenômeno entregue à percepção do outro para a projeção de significados. Ela aborda dimensões psíquicas a partir da mitologia, da psicanálise e dos afetos.
A dimensão filosófica do corpus de Maria Bonomi demanda os conceitos de história de Walter Benjamin; de humanismo de Emmanuel Lévinas; de esfera pública de Jürgen Habermas; de subjetividade da literatura de Clarice Lispector, da argu-mentação no aforismo de Mario Pedrosa (“a arte é o exercicio experimental da liberdade”); de geografia cultural de Milton Santos; de permanência das formas de Aby Warburg; da reivindicação de Gianni Vattimo de que seja impossível esquecer o mal; da banalidade do mal de Hanna Arendt; de cultura de Haroldo de Campos, no universo mais extenso.
Maria Bonomi e Maria Helena Peres consideram que possuíam as condições financeiras necessárias para o projeto. Por um posicionamento ético, preferiram não utilizar recursos da legislação de incentivos fiscais para a cultura a Lei Rouanet, e, com isso, deixar os recursos limitados a outras iniciativas culturais que precisassem do apoio do Ministério da Cultura.
O percurso da exposição Maria Bonomi: A arte de amar, a arte de resistir desenrola-se em 11 salas, não necessariamente apresentadas em sucessão cronológica. Cada uma tem um foco específico, salvo a segunda, que apresenta uma diversidade de olhares sobre a produção de Maria Bonomi, de suas relações com a literatura, o teatro, as bibliotecas, as viagens e suas amizades e afetos, incluindo Mario Pedrosa, Ana Vitória Mussi e Lena Peres.
Paulo Herkenhoff
Maria Helena Peres Oliveira
Curadores