A premiação de quatro artistas pelo PIPA ao longo dos últimos anos, além de evidenciar a diversidade de linguagens, garante mais abrangência geográfica e acolhe entre os premiados algumas poéticas que se mantinham à margem do circuito oficial. O Brasil sendo um país continental e marcado por um repertório cultural diversificado, acaba gerando produções artísticas que nem sempre partilham de um mesmo imaginário visual e das mesmas referências históricas. Um dos objetivos da exposição do PIPA é o de produzir zonas de contato e formas de interação entre mundos desencontrados que, entretanto, partilham o mesmo tempo histórico, com suas assimetrias e atritos.
A multiplicação de artistas oriundos de ambientes culturais heterogêneos transformou de dentro a divisão tradicional entre centro e periferia que estruturava as narrativas da história da arte. Esta rearticulação entre pertencimento e estranhamento, junto e a contrapelo da cultura visual hegemônica, mobiliza a criação de novos repertórios críticos e regimes de recepção para a arte contemporânea. Os quatro artistas premiados em 2025 evidenciam tais características.
Gabriel Haddad e Leonardo Bora formam uma dupla de artistas que trabalha no cruzamento do carnaval com as artes visuais, explorando energias materiais e culturais que transitam e transbordam de dentro dos barracões e dos desfiles. Suas instalações, desenhos e objetos ressignificam o espaço da arte contemporânea. É cada vez mais urgente pensarmos este trânsito tão rico e singular entre manifestações populares, artesanias ancestrais e experimentação visual.
Andréa Hygino, por sua vez, articula o seu trabalho no âmbito educacional com a construção de sua linguagem gráfica e escultórica. Faz isso desestabilizando os objetos e os códigos normativos que assujeitam corpos e subjetividades nas salas de aula, metamorfoseando-os em potência escultórica. Sua poética combina invenção formal, rigor crítico e humor.
Darks Miranda aposta em uma dimensão fabulatória carregada de estranhamento, que atravessa tanto sua produção audiovisual como seus objetos e instalações. Ela remete ao tropicalismo com uma acidez crítica e paródica incomuns, apropriando-se das ferramentas tecnológicas e puxando seus processos e formas para dentro de um universo de seres assombrosos e monstruosos.
A pintura segue vigorosa na arte contemporânea brasileira, não obstante o uso de tantas mídias e tecnologias novas à mão. Flávia Ventura explora a materialidade pictórica com um vigor próprio, revelando, por dentro das espessas camadas de tinta e gestos, fragmentos corporais e orgânicos que fundem abstração, figuração e transgressão.
Espero que o PIPA siga por muitos anos sendo uma janela aberta para os muitos Brasis tão cheios de contradições e de maravilhamentos, revelando produções artísticas emergentes, contundentes e promissoras.