O livro da Natureza é escrito em caracteres matemáticos.
Galileu Galilei.
Escrevi o livro José Patrício: cogitações sobre o número (2010) que cobriu quase três décadas de trajetória sob a dimensão da geometria e das teorias filosóficas da matemática de Gottfried Leibniz, Bertrand Russel, Gottlob Frege, Richard Dedekind, Ludwig Wittgenstein, Alain Badiou, entre outros teóricos. Nesta mostra, o foco se desloca para o campo afetivo e psicanalítico como as questões do fetiche do colecionador ou o enfrentamento da morte. Assim, as reflexões e cogitações matemáticas deram lugar às presentes Agitações pelo número. Os visitantes são convidados a projetar os significados que elaborarem sobre essas obras. Cada visitante será assim agitado para interpretar o Número.
A série Ars combinatoria surgiu em 1988 com 112 dominós e se tornou seu método de exploração de lugares. Depois vieram as Pinturas numerosas (como as Trajetórias — encarnado, preto e branco), a série Composição numérica, as Expansões múltiplas, Síntese e progressão crescente e Síntese e progressão decrescente, 280 dominós em sequência numérica aleatória, Imago mundi, Ritmos e Circuitos, Zero jogo (recortes de papel de parede que podem virtualmente se expandir pelo chão ad infinitum, sem limites), Vuco-vuco numérico, Quebra-cabeças, e chega ao absurdo denotado pelo título: 46.872 pregos — crescente e 46.872 pregos — decrescente.
José Patrício segue as reflexões de Leibniz para quem a ars combinatoria ou ciência geral das formas ou da similaridade e dissimilaridade é um método universal, fundamento de todas as ciências. O artista nos cita o filósofo alemão: “ars combinatoria designa o projeto, ou melhor, o ideal de uma ciência que, partindo de uma characteristica universalis, ou seja, de uma linguagem simbólica que atribuísse um sinal a cada ideia primitiva e combinasse de todos os modos possíveis esses sinais primitivos, obtendo assim todas as ideias possíveis.” Este é seu desafio há 25 anos.
Fui ao Dicionário de símbolos e li que no sentido de proteção, na Roma Antiga havia a
cerimônia anual de martelar um prego no templo de Júpiter e que na China martelar os
pregos supérfluos nas casas afasta os demônios. Na África, paradoxalmente, se enfiam
pregos em alguns fetiches para manter seus espíritos residentes fixados nas tarefas para
cuja realização se invocou sua ajuda.
José Patrício
José Patrício e o amor à vida
Paulo Herkenhoff
José Patrício é um colecionador de objetos da chamada cultura popular brasileira, sobretudo do Nordeste. São obras de Antônio Rodrigues, de Caruaru; Elda Sobral, Fábio Ramos, Bezinho, Carlito, Edilmo e João Kambiwá, de Ibimirim; Socorro, de Garanhuns; Dona Mocinha de Buíque — todos de Pernambuco; Lurdes Diniz, de Lagoa Seca, na Paraíba; Antônio Sandes, da Ilha do Ferro em Alagoas; Zé Celestino, de Juazeiro do Norte, no Ceará; José Valdo, de Santa Brígida, na Bahia; Camocim, de Feijó, no Acre; Fernando e Edmilson, de Novo Airão e Márcia Sateré Mawé, de Manaus, no Amazonas; Delma de Melo, com máscaras de Pirenópolis e muitos anônimos.
José Patrício organiza suas centenas de peças por grupos de tipos de objetos, por cores ou por autoria. Muitos são guardados em armários-vitrines como estes trazidos de Recife com peças escolhidas pelo próprio artista. Ele sabe que curadoria é um modo de revelar a presença dos objetos no espaço para entregá-los à percepção do Outro. Portanto, temos no Paço uma curadoria específica do artista inserida na curadoria geral da mostra. Para Freud, que colecionava antiguidades egípcias, gregas e romanas, parar de colecionar se assemelha ao fato de morrer. Pode-se concluir, portanto, que a obsessão de José Patrício em busca do artesanato brasileiro evidencia seu amor à vida.