Rogério Reis: O que se passa
‘O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.’ (Guimarães Rosa)
O que se passa é a mostra da nova série de fotografias de Rogério Reis, advindas de suas saídas às praias da zona sul do Rio – um rito intensificado na pandemia, que se tornou rotina de trabalho – algumas, investidas deste espírito de urgência, como na Noite Americana, que apesar da poesia prenuncia desastres ecológicos.
Rogério foi fotojornalista e optou por trabalhar com fotografia documental, um campo que visa a expor a nossa vulnerabilidade humana e ecológica e nos suscita, assim como os movimentos identitários, uma tomada de consciência de situações com as quais não devemos nos acomodar. Sua linguagem é experimental, e influenciada pela arte conceitual-política que vivenciou nos anos 70. Sua obra é atravessada por um agudo senso de humor, tem um veio existencialista e crítico sem ser politicamente dogmática; assim como na Poesia Marginal e no Cinema Novo, que coexistiam com ela.
Aqui experimentamos obras que surgem do quente da areia, do dia-a-dia do artista junto aos frequentadores da praia, no embate com os corpos migrantes, com as comunidades que aí vão para trabalhar ou usufruir um momento de lazer. As imagens das situações que se passam, aqui apresentadas nas criativas e efêmeras assemblages da série Empilhamentos, nos impactam como extraordinárias. Via de regra sua obra passa a habitar o nosso imaginário, viram icônicas, por sua heteronomia, como algo que parece estar fora da ordem, ou verdades que nos parecem ficção, como no vídeo dos Aerocães. Ou, ainda, por sua intensidade expressiva, como nas imagens dos corpos anônimos, humanos ou não, todos eles coexistindo em plena fulguração, beleza e gozo, a despeito das adversidades, transitando entre o óbvio e o inimaginável.
O que se passa é o índice do investimento estético-ético do artista, o registro das suas trocas afetivas e materiais, a construção de sua história e identidade, a sua praia. Em confronto direto com a cultura dita erudita-colonial, Rogério nos oferece um cenário completo e imediato de um real expandido, sem hierarquias, que, como dizia Guimarães Rosa, se dá na travessia.
Paula Terra-Neale (curadora)